segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A rapariga do saco vermelho

Não devia ter mais do que trinta anos. Levava um saco vermelho, enorme, em cima das pernas. Escrevinhava veloz e desenfreadamente naquele teclado do telemóvel, coisas que nunca ninguém podia imaginar. Não era bonita nem feia, mas tinha uns olhos que agarravam a alma e prendiam o olhar por longos minutos. Não que o fizesse muita vez. Segurava o saco vermelho com força e esperava ansiosamente o revisor. Para que ele não desse pelo cheiro. Para que ninguém reparasse naquele cheiro nauseabundo a carne humana.
Tinha separado todos os bocadinhos e etiquetado por zonas. Como solicitado. Odiava ter de entregar este tipo de encomendas, especialmente usar transportes públicos para isso. Mas tentava transparecer serenidade, nos olhos avelã e cabelos pretos.
Sentia os pequenos bocados a pesarem-lhe nas pernas, mas nem assim a consciência. E recostou a cabeça no banco, na esperança de descansar a vista, até que chegasse e o cliente a esperasse como combinado. E chegou. Lá estava ele, com outra mala vermelha, igual, cheia de notas meticulosamente contadas, novas, cheirosas. E seguiu o seu caminho.

1 comentário:

  1. Assustador! Consegues criar uma sensação de uma pessoa calma e dócil mas com uma missão tão horrível. Leva-nos a pensar, a quem utiliza transportes todos os dias para longas distâncias, quem é a pessoa ao nosso lado? Qual o passado e o presente desta pessoa? Quais as suas angústias e o que leva na sua bagagem?! Afinal, e como vemos nos livros, os melhores assassinos são sempre aqueles que não o parecem ser e que nos surpreendem.

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