terça-feira, 24 de outubro de 2017

A senhora que lia

Senta-se à minha frente uma senhora com alguma idade. Nunca me calham novos, mas não me importo muito. Felizmente os mais experientes sabem dar valor ao silêncio. Lê um livro fininho e pequeno. Pôs um risco preto nos olhos e um bordô, mas discreto. Notam-se as várias rugas que tem na cara.
Sem querer encosto o meu pé ao dela e peço desculpa, mas ela nada diz.
Muitos anos e muitas pessoas passaram na vida desta senhora. Umas mais simpáticas, outras menos. Aprendeu, com a vida, que infelizmente todas as pessoas são más. Não há como fugir disso. Não é um desculpe agora que vai perdoar uma coisa horrível daqui a uns tempos. Como o irmão. Sempre tão respeitador, tão simpático, tão bem ensinado. Que do nada, perdeu o juízo, fugiu e... Bem, não se pode falar disso. Foi preso em Itália, e por lá deverá acabar os seus dias. O irmão que era cavalheiro e abria a porta, que afastava a cadeira... Talvez seja irónico que passe o resto dos dias em Itália, pais do romance. Ela nunca foi vê-lo. Depois de saber todo o mal que ele fez a tantas mulheres, mais novas e mais velhas. Ela não quer saber. Agarra-se ao seu livro, e continua a ler. Como se o tempo a fizesse esquecer que um dia teve um irmão. Como se as letras a fizessem mergulhar num mundo bem melhor. Que ela sabe que não é...

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